- Whitechapel não é um bairro para correr pelas ruas, sabia? - Ouvi uma voz bradar ao meu lado.
- Acho que você também não deve saber. - Revirei os olhos e dei de ombros.
- Você é sempre tão grossa? - Ele parou de andar, levantou os braços em indignação e me encarou.
- Eu era legal antes de perder o meu marido. - Continuei correndo e engoli em seco.
- Espera! - Ele correu até mim e segurou o meu braço, fazendo com que eu parasse imediatamente. - Você não pode se tornar uma pessoa fria por isso.
- Você não sabe de nada. - Soltei-me dele.
- Sra. Price, você poderia me ouvir?
- Por favor, não me chame assim. - Respirei profundamente.
Ser a Sra. Price fora o que eu mais quis depois de conhecer o Logan, saber que um dia eu seria dele e só dele. Saber que compartilharíamos uma casa, uma cama, uma vida.
Ouvir o seu sobrenome me fazia tremer na base. Lembrar que eu já não tinha mais o Sr. Price comigo. Saber que não me restou nada dele. Só os nossos mais sinceros sentimentos estavam ali.
- O que você quer de mim? - Cruzei os braços.
- Eu não quero nada de você. - Ele deu de ombros. - Uma pessoa ser gentil não quer dizer que ela tem segundas intenções.
- Quase sempre, sim. - Pisquei para ele e comecei a andar.
- Você não é assim. - Gelei. - Se escondeu dentro de uma armadura por medo de perder mais alguém.
- Por que você acha que sabe alguma coisa sobre mim?
- Porque eu senti toda a dor da perda...
- Amy.
- Ah, sim... Amy! - Ele sorriu sem graça. - Quando eu me casei, só tinha 21 anos. Eu era bem novo e todos diziam que eu iria me arrepender, que deveria aproveitar um pouco mais. Eu tinha certeza do que queria, e quando temos essa certeza, por que esperar? Eu a amava de todas as formas possíveis e quando ela se foi... Eu perdi tudo o que para mim realmente era importante.
- Eu sinto muito. - Baixei a cabeça.
- Você superará, Amy. - Ele levantou o meu rosto delicadamente me fazendo fitar seus olhos. - Eu achava que isso não era possível, mas uma hora a dor se transforma em saudades. Uma doce saudade dos bons momentos.
- Obrigada pelas palavras. - Forcei um sorriso. - Eu preciso voltar para casa.
- Tudo bem. - Ele colocou as mãos nos bolsos. - Procure correr acompanhada, o bairro não é muito violento mas não é bom que você esteja por aí sozinha. - Recomendou. - Até logo!
O paramédico, assim eu o chamava, já que não sabia o seu nome, nem lembrava se ouvi em algum momento. Eu não sabia se ele estava certo, se um dia eu superaria essa dor, se viveria uma vida normal, mas me custava acreditar nisso. Não imaginamos que podemos sentir uma dor tão grande, até sentir. E quanto sentimos, clamamos a Deus para que tudo aquilo seja um terrível pesadelo, é que parece ser maior do que o que suportamos.
Se eu pudesse voltar no tempo e escolher novamente ficar com o Logan ou não, eu o escolheria. Eu escolheria viver o nosso amor por milhões de vezes repetidas. A minha dor nunca seria maior que o amor que gritava dentro de mim todos os dias em que estive ao seu lado, e até nos que eu não estive...
***
- Sr. Craig, quero lhe apresentar Amy Price, ela e sua equipe cuidará para que o seu livro seja publicado. - Vanessa sorriu e me puxou pelo braço.
- Amy?
- Elliott? - Arregalei os olhos.
Alí estava ele. Elliott não havia mudado absolutamente nada desde a última vez que o vi. Seus olhos castanhos brilhavam intensamente, sua barba estava por fazer, seus cabelos grisalhos. Elliott era uma perfeita mistura de um homem sério e descontraído ao mesmo tempo.
- Vocês já se conhecem? - Questionou Vanessa.
- Fui sua aluna quando estive na Universidade da Califórnia. - Sorri sem graça.
- Também tivemos um relacionamento. - Ele sorriu e depositou um beijo em minha bochecha. - Vejo que você se casou. - Ele pegou a minha mão.
- Sou... Viúva.
Pela primeira vez desde o acidente, eu precisei me identificar daquela forma, e como doeu.
- Eu sinto muito, Amy... Eu não... - O interrompi.
- Não vamos falar sobre isso, por favor. - Suspirei. - Venha até a minha sala, trataremos sobre o seu livro.
Caminhei em passos longos até o meu escritório. O meu salto agulha batia contra o piso, aquele era o único barulho ouvido. Girei a maçaneta e abri a porta. Apontei para a cadeira que ele poderia sentar, e caminhei até o outro lado da mesa, sentando de frente para ele.
- A Vanessa me mandou o seu livro hoje cedo por e-mail. - Comecei a mexer no notebook.
- Você se casou com ele?
- Elliott... - Balancei a cabeça em reprovação. - Eu não quero falar sobre isso.
- Você me abandonou, Amy. Eu tenho o direito de saber.
- Sim, eu me casei com o Dr. Logan Price, estive grávida dele e perdi os dois no mesmo dia. - Senti meus olhos encherem de lágrimas. - Eu realmente não quero falar sobre isso. Dói! - Apontei para o meu peito.
- Me desculpe, eu realmente sinto muito por isso. - Ele apertou as minhas mãos como se me passasse força.
- Obrigada. - Sequei uma lágrima que escorria em minha bochecha. - Você teria algum tempo livre amanhã? Posso ler o seu livro ainda hoje e conversamos amanhã.
- Eu não quero que você leia esse livro. Eu não fazia ideia de que você trabalhava aqui, eu nunca teria vindo se soubesse.
- Elliott, eu sei que tivemos problemas, mas é o meu trabalho, você não pode...
- Amy, você não vai trabalhar comigo nesse livro. Eu não quero.
- Você só pode estar brincando. - Sorri incrédula. - Não seja criança, Elliott!
- Eu não estou agindo como criança... - O interrompi.
- Como você descreve essa atitude? O que esse livro tem de tão importante que eu não possa ler?
- Você. Esse livro fala sobre você, da primeira à última página, Amy. Fala sobre a linda garota que eu conheci em um dia ensolarado em San Diego. Fala sobre o quanto eu a amei... E o quanto eu fiquei devastado quando ela se foi.
- Elli... Eu... Nossa. - Fechei os olhos com força. - Eu não esperava por isso.
- Tudo bem. Diga a Vanessa que eu quero outra equipe. Me desculpe por isso, mas eu não posso trabalhar com você.
Elliott suspirou e deixou a sala.
Um livro. Um livro sobre mim...
***
O sol já estava se pondo. Entrei em casa e fui recebida pelos pulos alegres do Fredie. Desci com ele para que pudéssemos caminhar um pouco.
- Uma hora todas as coisas voltarão para o seu devido lugar, amigão. - Acariciei os seus pelos claros.
- É bom ouvir que você acredita nisso. - Ele sorriu.
- Nossa, eu quase pensei que estivesse louca. - Sorri. - Pensei que o Fredie estava falando comigo.
- Uau. - Ele gargalhou.
- Você anda me seguindo? - O encarei.
- Eu moro nessa rua. Naquele prédio alí. - Ele apontou para um pequeno edifício bege. - Você também mora por aqui?
- Moro sim. Acabei de me mudar, para falar a verdade. - Dei de ombros. - Eu não sei o seu nome...
- Steve. - Ele estendeu a mão. - Steve Hall.
- Amy Price. - Apertei sua mão. - Mas você já sabe.
- É um prazer conhecê-la oficialmente, Amy. - Sorrimos. - Eu estou indo para o trabalho, mas nos encontramos por aí.
- Claro. - Assenti. - Steve?
- Sim. - Ele se virou para mim.
- Obrigada por ter me salvado.
- É o meu trabalho.
***
Tomei um banho demorado e frio. Sequei meus cabelos, espalhei cremes pelo meu corpo, vesti uma roupa leve e deitei em minha cama. Coloquei o notebook no meu colo e comecei a ler os escritos do Elliott.
Não pude deixar de conter as lágrimas que pesavam nos meus olhos. Elliott fora tão ferido por mim, e mesmo assim me descrevia como se eu fosse a coisa mais preciosa de sua vida, como se eu fosse um raio de sol em um dia frio, ou como a chuva em um dia quente, um alívio para a sua vida. Suas palavras eram doces demais. Ele colocou alí todo o seu amor... Eu sequer fui capaz de reparar na sinceridade de seus sentimentos. Mas quem era eu para merecer tamanho sentimento? Uma garota de 20 anos, que fugira do país para não enfrentar um obstáculo de sua vida. Eu não tinha nada de especial, nada de diferente... Nada que me fizesse ser digna de seus mais puros sentimentos.
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