Os enterros sempre são difíceis. Imagine que você é rotineiramente acostumado ao convívio com alguém e simplesmente precisa dizer adeus. Colocá-lo dentro de uma caixa, trancar, jogar terra, colocar grama e nunca mais ver. Não é simples se convencer de que nunca mais trocarão olhares, que seus corpos nunca mais se unirão em um momento íntimo, que seus lábios nunca mais se provarão, que sua pele nunca mais sentirá o seu toque. Nada daquilo era fácil de lidar.
A dor de dizer adeus quando não foi uma escolha sua. A dor de dizer adeus a alguém que você quer tanto por perto. A dor de dizer adeus a quem você mais ama. A dor de dizer adeus e viver só. A dor. As dores.
Meu físico se recuperava bem. Logo poderia retirar os gessos do meu braço e perna. Nas extensões do meu corpo ainda se encontravam algumas feridas em cicatrização, outras, só cicatrizes. Meu abdômen já não doía mais pela curetagem, mas o meu coração não estava bem com o ocorrido.
Assim que terminei a faculdade, consegui um excelente emprego em uma editora. Por conta da correria do trabalho, acabei não me dando conta do atraso de minha menstruação. Foi só com os enjoos matinais que acabei lembrando desse detalhe e me ocorreu que eu poderia ter um bebê dentro de mim.
Comprei alguns testes de farmácia e todos deram positivo. Me senti agraciada pela privilégio de carregar dentro de mim uma criança que seria o fruto do meu relacionamento com o meu marido. Também fiz um Beta HCG para ter a completa certeza de que aquilo era real, só então eu contei para o Logan.
Naquela tarde, depois de sair do trabalho, passei por algumas vitrines de lojas de bebês. Sempre amei as ideias de revelações de gravidezes, gostaria de fazer algo especial para o Logan. Desde que nos casamos, há 2 anos atrás, ele sempre falava que estava ansioso para ser pai, para que o nosso amor se multiplicasse.
Eu sabia que aquele era o dia do seu plantão a noite, seria perfeito para mim. Ao chegar em casa, adentrei o quarto vazio que reservamos para quando o novo membro da família chegasse. Sim, o Logan esperava todos os dias para que eu lhe anunciasse isso.
Subi com cada peça do bercinho que comprei mais cedo. Coloquei lá dentro e comecei a seguir as instruções para montar. Não fora uma tarefa tão difícil assim. E lá estava ele, um lindo berço branco e delicado. Era perfeito.
Dentro do berço eu pus um par de sapatinhos brancos, o Beta HCG e os testes de farmácia. Seria a minha surpresa e o meu presente para alguém tão amado.
- Quantos dedos tem aqui? - Mostrei minha mão para ele.
- Amor, eu juro que não estou vendo nada.
- Vou confiar em você, Sr. Price.
Ele estava vendado. O guiei pela mão até dentro do quarto. Caminhamos até o bercinho e finalmente eu retirei a venda de seus olhos.
- GRÁVIDA? - Seus olhos se arregalaram. - Minha nossa! - Ele me tomou em seus braços me tirando do chão. - Eu já te disse que você me faz muito feliz? O homem mais feliz do mundo, para falar a verdade. - Ele uniu seus lábios aos meus.
- Eu amo você. Vocês... Agora. - Acariciei minha barriga.
- Eu amo vocês. - Ele depositou um beijo em minha barriga. - Eu serei pai. - Ele sorriu animado.
Algum tempo depois decidimos que se fosse uma menina, a chamaríamos de Charlotte. Caso tivéssemos um menino, o chamaríamos de Ethan. O meu bebê morreu sem nome, sem toque, sem carinho...
Foram poucos os nossos contatos, foi pouco tempo de felicidade, mas a sensação dentro de mim nunca morreria. Aquela alegria... Eu jamais esqueceria. Eu jamais o deixaria morrer em meus pensamentos.
***
O testamento do Logan fora lido. Não era grande e nem complicado. Sua família era pequena e todos viviam muito bem. Tudo o que ele construiu durante a sua curta vida foi deixado deixado para mim, o que já era imaginado, já que éramos só nós dois.
- Você ficará bem? - Mamãe acariciou o meu rosto. - Aquela casa está cheia de lembranças dele.
- Eu não posso voltar a morar aqui, mãe. - Sorri sem graça. - Eu construí uma vida... Se bem que ela fora no mínimo devastada. - Dei de ombros. - Eu ficarei bem.
Não, eu não ficaria bem. Entrar naquela casa seria a minha sentença de morte.
Abri a porta da sala e parei ali mesmo. Respirei profundamente buscando o ar em meus pulmões. Eu não estava preparada para voltar alí.
Tudo estava exatamente como nós deixamos na manhã do acidente. Sua camisa branca estava jogada no braço do sofá. Seu cheiro ainda estava ali... Era como se ele ainda estivesse ali.
Peguei uma caixa e comecei a juntar os porta retratos com nossas fotos. Coloquei os livros, CDs e DVDs também.
Subi para o nosso quarto e fui tomada por uma onda de dor ainda maior que tudo que eu senti nesses últimos dias. A nossa cama ainda estava bagunçada. Nossos lençóis amassados, nossos cheios nos travesseiros. Ninguém entrou alí depois do ocorrido, eu não permiti. Deitei na cama e abracei o seu travesseiro... Como eu conseguiria passar o resto da minha vida sem sentir o seu perfume adentrar as minhas narinas?
Coloquei todas as minhas roupas nas malas que encontrei pela casa. Pus todos os meus sapatos, acessórios, pertences pessoais, tudo que era meu.
Coloquei as coisas do Logan dentro de caixas, se alguém estava esperando que eu fosse me desfazer delas, eu não estava pronta para isso, nem sabia se um dia estaria.
O nosso closet estava vazio. Não havia uma peça sequer lá dentro. Eu sairia daquela casa, viveria em outro lugar, eu só não suportaria vê-lo em cada centímetro daquela casa. Era um castigo grande demais.
Eu já havia saído para procurar um apartamento confortável que pudesse me abrigar. Escolhi um apartamento em Whitechapel. Ok, a história do Jake, o estripador, já ficou para trás, Whitechapel não é assim tão ruim. Talvez esse ambiente mais cheio de pessoas fosse me fazer bem.
Quando entrei no quartinho que seria do nosso filho, me permiti chorar e viver aquela terrível dor que gritava dentro de mim. Eu chorei pelo Logan, mas guardava-me do sofrimento pelo meu filho, porque eu não tinha o meu marido para me reerguer quando eu desabasse. Era muito mais profundo do que se podia imaginar, e eu não tinha uma escolha além de seguir sozinha, de superar sozinha.
***
No dia seguinte, levei meus pertences para o meu novo lar. Abri as janelas e ouvi o barulho das ruas. O dia estava levemente ensolarado e colorido lá fora.
Comecei a organizar meus pertences no pequeno closet e deixei as coisas do Logan nas caixas. Eu não as deixaria para trás, mas não poderia fingir que ele ainda estava aqui. Não poderia me matar dessa forma.
O apartamento já era mobiliado, o que facilitou a minha vida. Na segunda-feira eu precisaria voltar para o trabalho e não teria tempo para resolver essas coisas.
Estava confusa em relação ao que fazer com a casa em que morávamos, não estava feliz em me desfazer da casa que o Logan morou desde que saiu da casa dos pais, mas eu não pretendia pisar alí nunca mais. Aquela cara parecia ter o rosto dele gravado nas paredes.
- Você não pensou que eu fosse te esquecer, não é? - Abracei o Fredie. - Vamos para a nossa nova casa, amigo. - Sorri de lado. - Você é a minha única memória viva dele. Não me deixe também, por favor. - Sentei ao seu lado.
- Amy... - Mamãe lamentou. - Você tem certeza de que não quer ficar comigo?
- Sim, mamãe. - Forcei um sorriso. - Obrigada por ter cuidado do Fredie.
- Ele é um ótimo cachorro. - Ela sorriu.
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