- NÃO! - Gritei assustada e sentei na cama.
O meu sonho parecia tão real que me fez sentir na carne todas as dores que eu sentia nele. Eu estava suada, assustada e chorando. Abracei minhas pernas e encolhi-me na cama.
Eu sonhei diferentes formas para a morte de Logan: latrocínio, assassinato, acidente de avião, carro e moto... Eu estava em todos. Por um momento me perguntei se eu deveria ter morrido em seu lugar e até desejei isso, mas era tão egoísta de minha parte. Se eu tivesse morrido em seu lugar, ele estaria sentindo toda a dor que eu sinto, eu não o queria dessa forma.
Caminhei até o closet, retirei uma de suas camisas de uma caixa e voltei para a cama. Seu cheiro único estava impreguinado nela. Eu desejava percorrer meus beijos pela sua bochecha enquanto minhas mãos brincavam com os seus cabelos. Uniria meus lábios aos seus em um beijo que se iniciaria calmo e depois se tornaria apressado. Desceria pelo seu pescoço sempre tão cheiroso, minhas mãos percorreriam seu abdômen e ele me jogaria em qualquer lugar tomando controle de toda a situação. Seu corpo seria prensado contra o meu e eu sentiria cada extensão do seu corpo. Aquele corpo que eu sempre amaria e sentiria falta.
- Eu não quero ficar só, Log. - Choraminguei. - Eu te esperei todos os dias chegar do trabalho só para te abraçar e saber que eu nunca estaria só, que ao fim de um plantão você voltaria para mim. Por que você me deixou?
O Fredie pulou na cama e encostou sua cabeça em minha perna, me olhando com seus grandes olhos brilhantes. Ele era o ser mais compreensível do mundo. Entendia a necessidade que eu sentia de ter alguém ao meu lado, e ele era a minha mais forte lembrança do Logan.
- Isso quer dizer que eu não estou só? - Sorri em meio às lágrimas e acariciei seus pelos. - Você é um ótimo cãozinho, Fredie.
***
- Sra. Price, um Sr. chamado Steve Hall deseja falar com a senhora. - O Sr. Jones, o porteiro, interfonou para o meu apartamento.
- O Steve? - Questionei alto. - Hum... Tudo bem. É... Eu vou descer.
O Steve? O que ele estava fazendo ali?
Troquei de roupa rápido e desci até o hall de entrada.
- Olá, Amy. - Ele estendeu a mão e me cumprimentou.
- Oi, Steve. - Forcei um sorriso. - O que faz aqui?
- É que eu não te vi correndo hoje, só quis saber se estava tudo bem. - Ele deu de ombros e pôs as mãos no bolso da bermuda.
- É que eu tive um dia bem corrido no trabalho e não estava muito disposta para correr. - Expliquei. - Além disso, você disse que eu não deveria correr sozinha. - Pisquei.
- Posso correr com você, se você quiser, é claro. - Senti receio em sua fala.
- Steve, você não pretende nada com essa aproximação, não é? - Arqueei as sobrancelhas. - Você me tirou daquele carro, salvou a minha vida, mas também viu o meu marido e o estado que eu o vi pela última vez. Eu o amava, aliás, eu o amo e sei que jamais deixarei de amar. Eu não superei sua morte e também não sei se vou, nem sei se quero... - Ele me interrompeu colocando um dedo em meus lábios.
- Eu já te contei como perdi minha esposa? - Neguei com a cabeça. - Vamos, te pago um café e conversamos. - Ele estendeu a mão para mim. - Eu não vou te beijar ou te agarrar, Amy. Eu não sou esse tipo de cara.
Segurei sua mão e ele acariciou-a com delicadeza. Nossas mãos não estavam entrelaçadas como as de uma casal, na verdade ele parecia um irmão mais velho que estava a cuidar da sua irmã caçula. Caminhamos alguns metros até chegarmos a uma aconchegante cafeteria.
- Eu só quero que você confie em mim e pare de achar que estou querendo te levar para a cama. - Ele revirou os olhos. - Você é uma das mulheres mais lindas que eu já conheci, entretanto, jamais me aproveitaria do seu momento de fragilidade para fazer isso.
- Me desculpe. - Torci os lábios. - Eu só não querer te magoar e me magoar.
- Eu entendo. - Ele sorriu fraco. - Posso fazer nossos pedidos? - Assenti.
Steve levantou-se e foi até o balcão, onde fez os nossos pedidos e alguns minutos depois voltou com uma bandeja.
- Ela era incrível. Eu amava até os seus defeitos, eles a tornavam tão única. Ela me fez o homem que eu sempre desejei ser. A amei mais que a mim mesmo.
- O que aconteceu com ela? - Indaguei.
- Ela morreu em um assalto. - Ele suspirou. - Nós estávamos voltando para casa a pé. A Carly sempre gostou de andar a pé pelas ruas da cidade. Em um dos nossos passeios, fomos assaltados. Não reagimos, não fizemos absolutamente nada, só entregamos tudo que tínhamos. Quando eles já estavam indo embora, um deles simplesmente disparou contra ela e foi embora.
- Eu sinto muito, Steve. - Curvei meu corpo sobre a mesa e o abracei forte.
- Eu também a vi morrer na minha frente. O corpo da Carly tombou sobre o meu. Eu a segurei, fiquei coberto pelo seu sangue e a vi suspirar pela última vez. Eu não sabia o que fazer. A Carly morreu porque eu não soube o que fazer. Eu poderia ter salvado a minha esposa se eu soubesse como agir, por isso me tornei paramédico.
- Não foi culpa sua. - Abaixei o rosto.
- Não, não foi, mas eu poderia ter evitado a sua morte.
- Quantos anos ela tinha?
- Vinte e cinco. Já se passaram seis anos desde que tudo aconteceu.
- Como você suportou tudo isso?
- Eu Indaguei por qual motivo ele atirou nela e não em mim, ou quem sabe nos dois. - Ele sorriu sem graça e eu fiz o mesmo.
- Eu também me questiono sobre isso. - Dei de ombros.
- Eu só vivi um dia após o outro. - Ele me encarou. - Pensei que me jogar de um prédio ou deitar na linha do trem, mas eu sabia que a minha vida não poderia acabar assim.
- Você casou novamente?
- Eu tive alguns relacionamentos, mas existe um grande problema em ter encontrado o amor da sua vida...
- Você buscará em outras pessoas alguém como ele e nunca achará. - Completei.
- Exatamente. - Ele sorriu.
- Eles foram únicos.
- Foram sim.
Ficamos em silêncio por algum tempo. Não era um silêncio constrangedor, ambos estávamos pensando em nossas vidas antes das nossas tragédias pessoais.
Caminhamos de volta para o meu prédio ainda em silêncio. A noite estava um pouco fria e as ruas estavam calmas. Os pubs estavam cheios e as luzes dos prédios brilhavam.
- Steve, muito obrigada por suas palavras e companhia. - Sorri sincera e o abracei forte. - Conversar com alguém que compartilha da mesma dor faz com que eu me sinta compreendida.
- Amy, você é compreendida, mas não compartilhamos da mesma dor. Eu entendo tudo isso porque um dia eu vivi isso, mas precisei deixá-la ir... - Ele sorriu sem graça. - Só então a dor foi embora e me restou uma enorme saudade. Um dia você também precisará deixá-lo ir, libertá-lo e se libertar. - Ele acariciou o meu rosto, aproximou-se de mim e depositou um beijo no topo da minha cabeça. - Se cuida.
E então ele se foi.
Steve surgiu em minha vida de uma hora para a outra e se tornou alguém importante, capaz de me fazer sentir confortável em falar sobre o Logan, sobre a minha dor e sofrimento. Eu me sentia péssima em expressar o quanto eu estava devastada, acreditava que as pessoas não aguentavam mais me ver daquela forma, parecia uma encenação melancólica, mas ele era diferente. Steve um dia amou alguém mais que a si mesmo, e a viu ir embora diante dos seus olhos, incapaz de fazer alguma coisa para impedir, assim como eu.
***
- Eu ainda não acredito que você deixou esse cara escapar. - Vanessa jogou um livro em minha mesa. - Um livro sobre você... Incrível. - Ela gargalhou.
- Ele te disse?
- Amy, qualquer pessoa que saiba um pouco sobre a sua história e ler esse livro conseguirá associar. - Ela deu de ombros. - Ele guardou esse amor por esses anos.
- Talvez ele só queira vender uma boa história. - Desconversei.
- Amy Price, não se faça de inocente. - Ela cerrou os olhos e cruzou os braços. - Você marcou a vida desse homem.
- Vanessa, já chega! - Bufei. - Deixe-me trabalhar.
Algum tempo já havia passado desde que o Elliott me dispensou da publicação do seu livro. O vi algumas vezes na editora mas trocamos poucas palavras, diferente da quantidade de olhares ressentidos, que falavam bem mais do que nossas línguas. Nossos olhares conversavam entre si e desabafavam sobre as complicações da vida.
A capa do livro possuía cores escuras e um rosto com expressões tristes. A obra fora denominada "Emily", e eu entendia o motivo. Quando eu estava em San Diego, Elliott brincava que o meu nome era curto, parecia um apelido. Ele alegava que o meu nome deveria ser Emily, e o meu apelido "Emmy".
Eu sabia que aquele livro significava algo importante para ele... Eu fui importante para ele.
***
Pus um tubinho preto, com um decote em V. Passei o batom em um tom mais escuro de vermelho e calcei meu scarpin mais alto. Soltei meus cabelos lisos pelo meu ombro, tomei a bolsa em minhas mãos e desci para a garagem do prédio. Dirigi com cuidado até o shopping em que o evento estava acontecendo e enfrentei a fila como todo mundo.
- Amy? - Ele colocou seus olhos sobre mim. - O que você faz aqui?
- Quero uma dedicatória no meu exemplar. - Sorri e o entreguei o livro.
- Você é esse livro.
- Shi! - Coloquei o meu indicador em sua boca. - Ninguém sabe disso, baby. - Pisquei.
- Não faça isso, Amy... - O vi cerrar os punhos. - Venha cá. - Ele me puxou pela mão e me levou até um local mais reservado. - Você tem noção do quanto é atraente? Eu desejo tanto você e...
- Elli... - O afastei. - Me desculpe.
Caminhei com pressa até a saída do shopping. A quem eu queria enganar? Eu não estava pronta para me aproximar de alguém que traz consigo uma enorme bagagem de lembranças do passado.
- Ei! - Senti-me ser segurada por braços fortes que me puxaram para junto do seu corpo. - Calma. - Ele segurou meu rosto entre suas mãos.
- Minha vida é uma loucura, sabia? Meu marido morre e logo depois o meu ex professor-namorado volta com um livro sobre mim e eu sempre te encontro, acho que você é meu anjo da guarda.
- Você namorou um professor? - Seus olhos se arregalaram e logo depois um sorriso se abriu.
- Não foi oficialmente um namoro, mas nós ficamos continuamente durante alguns meses. - Dei de ombros. - Veio passear?
- Sim. - Ele assentiu. - Mas acho que você precisa de mim. - Ele piscou. - Vem, eu conheço um lugar legal.
Subimos de elevador até a cobertura do shopping, protegida por um segurança, o mesmo era amigo do Steve e nos deixou passar.
- Não façam loucuras! - Ele advertiu e sorriu.
- Eu não vou me suicidar. - Assenti.
- Eu não me referia a isso. - Ele gargalhou. - Já encontramos alguns casais transando aqui. Não sei como, mas eles conseguiram driblar a segurança.
- Não... Nós não... Nossa. - Sorri sem graça. - Nós só somos amigos. - Puxei o Steve pelo braço e rapidamente deixamos o segurança para trás. - Quer vergonha! - Pus as mãos no rosto.
- Relaxe. - Ele sorriu. - Vem, vamos sentar alí.
Sentamos em um banco e observamos as luzes da cidade. Eu sempre fui encantada por contemplar as luzes da cidade, eu amava viver na minha velha Londres.
- Meu casaco. - Ele estendeu para mim. - Aqui venta bastante. - Ele deu de ombros. - Eu te ajudo a vestir.
Steve passou o seu casaco por meus braços e fitou meus olhos por alguns segundos.
- Você pode colocar suas pernas sobre as minhas, se quiser. A Carly sempre reclamava dos sapatos de saltos que faziam os seus pés doerem.
- Ela tinha razão. - Sorri.
Retirei os sapatos e acomodei minhas pernas sobre as do Steve. Ele me transmitia uma paz intensa e um desejo de ficar para sempre ao seu lado, pois ele era capaz de me livrar de todo o medo e de toda insegurança. Eu via no Steve um modelo a ser seguido. Ele conseguiu seguir em frente e eu gostaria de ser como ele. O Logan me amava demais e jamais aceitaria que eu vivesse daquela forma.
- Qual a sua melhor história com o seu falecido marido? - Ele quebrou o silêncio.
- Steve, a pergunta correta seria: "qual a sua história menos impactante?". - Gargalhei. - Eu e o Logan tivemos uma história complicada.
- Estou aqui para te ouvir. - Ele sorriu.
- No dia do meu aniversário de 19 anos eu descobri que meu namorado estava me traindo. Sai de casa às pressas e com a vista completamente embasada por causa das lágrimas. Atravessei a rua sem olhar e fui atingida por um carro acima da velocidade permitida. Sofri muitos impactos e entrei em coma. Passei um ano deitada em uma cama de hospital praticamente sem reagir.
- Uau. - Ele arregalou os olhos.
- O Logan fora o meu médico por todo esse tempo. Ele não desacreditou que eu poderia me recuperar. Por algumas vezes eu quase morri, mas ele estava lá para me reanimar.
- Gostaria de ter feito o mesmo pela Carly. - Ele suspirou. - Infelizmente não podemos voltar no tempo.
- Tenho certeza de que você a fez feliz até o seu último suspiro. Você é um cara incrível. - Fitei seus olhos azuis.