quinta-feira, 29 de março de 2018

O que você fez comigo - Capítulo 9

Meus sapatos batiam contra o piso velho daquele local. Volta a meia a recepcionista me lançava um sorrisinho forçado e aqueles 10 minutos que me pediu para esperar, pareciam uma eternidade.
No horário exato, algumas pessoas caminharam até o outro lado da clínica. A recepcionista assentiu com a cabeça como se soubesse que eu indagava se deveria acompanhar aquelas pessoas. Levantei-me e as segui.
Era um espaço grande. As paredes tinham um tom escuro, meio rústico. Tudo ali era exatamente como nos filmes que assisti. Um círculo feito de cadeiras, uma mesinha com biscoito. Por falar nesses biscoitos, nunca entendi o sentido.

- Boa noite, pessoal. - Uma senhora de meia idade sorriu para nós.

- Boa noite, Ronnie. - Falaram em uníssono.

- Alguém gostaria de falar sobre os progressos dessa semana?

Cruzei minhas pernas, respirei fundo e engoli em seco. Se surtar durante o quase momento íntimo com uma pessoa muito importante para você for um progresso... É, progredi.

- Eu só sonhei uma única vez com o Toddy. - Uma mulher ruiva sorriu e abraçou a companheira do lado.

Ao menos isso eu não faço mais.

- Isso é muito bom, Phoebe. John, que tal você falar um pouco?

- Eu não tenho muito para falar. - Ele deu de ombros. - Não sei se esse grupo de apoio me fará superar. - Ele revirou os olhos. - Como falar com vocês poderá me ajudar?

Encarei o John por alguns segundos e senti meu estômago revirar. Talvez ele fosse novo ali e ainda estivesse na fase de negação, assim como eu. Eu não acreditava nessa coisa de falar para se sentir aliviada ou melhor.

- John, nós nunca conseguiremos parar a sua dor. - Ronnie acariciou as suas mãos. - Nós estamos aqui para te ouvir e te confortar nos momentos que essa dor se torne insuportável. Também podemos te aconselhar para que você não venha a piorar tudo o que vem sentindo. Não somos mágicos, só somos seus ajudadores.

- A garota nova poderia se apresentar. - Alguém falou.

- Qual o seu nome, querida?

- Eu me chamo Amy. - Forcei um sorriso.

- Você poderia compartilhar conosco o que te trouxe até aqui?

Droga.

- Só não diga que foi a morte. - Um senhor já velho brincou e todos riram.

A morte parece unir algumas pessoas... Enquanto separa outras. 

- Meu marido morreu há alguns meses atrás em um acidente de carro. Eu estava grávida e acabei perdendo a nossa filha também. - Abaixei o rosto e suspirei. - Eu sei que todo mundo aqui perdeu alguém e sei que minha dor não é maior do que a de vocês, mas isso tem sido difícil de lidar.

- Nós sentimos muito por sua perda, Amy. Verdadeiramente sentimos muito. Esse é o lugar que você pode dizer tudo o que sente, nada nunca sairá daqui.

- Eu não sei o que sinto... No começo eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Esperava a todo momento que o Logan entrasse e me acordasse daquele pesadelo horrível. Isso nunca aconteceu. Com o passar dos meses, pensei que finalmente estava seguindo com a minha vida. Acontece que tudo me faz ficar presa na nossa história.

E o pior era não ter a menor certeza de que um dia seria livre de tudo isso.

***

- Você está tão calada. - Steve mordiscou um croissant.

- Eu fui para uma reunião do grupo de apoio.

- Sério? Como foi lá?

- Não foi diferente de conversar com você. - Dei de ombros. - É como nos filmes. Você entra lá sem espectativas e quando sai, não volta mais.

- Eu conheço várias pessoas que se deram bem por lá. Talvez você deva ir mais vezes.

- Eu não quero. - Revirei os olhos. - Prefiro compartilhar minhas experiências com você. - Sorri.

- Você... Quer falar sobre o que aconteceu naquela noite?

O ignorei.

- Steve, e se você descobrisse que a Carly está viva?

- Uau, você é tão... Aleatória? - Ele gargalhou. - Isso é impossível, Amy.

- É só uma suposição.

- Nesse caso eu estaria perdidamente enrolado. - Ele levou seu capuccino à boca.

- Você deveria ficar com ela sem pensar duas vezes. Tenho certeza que a Carly não era tão complicada quanto eu.

- As vezes a gente precisa de alguém que nos tire do monótono. - Steve piscou para mim.

***

Às 6h da manhã meu alarme soou. Levantei-me ainda sonolenta e segui para o banheiro. Despi-me, amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo e entrei debaixo da água. Aquelas gotículas frias arrepiavam cada centímetro do meu corpo e me faziam despertar para mais uma manhã de trabalho. Escovei meus dentes, sequei-me e voltei para o meu quarto.
Enquanto minhas mãos percorriam meu corpo espalhando um creme cheiroso, recordei-me das vezes que as mãos do Logan percorriam minha pele enquanto fazia uma massagem em mim pelas vezes que eu dormia numa posição errada. Balancei a cabeça afastando esses pensamentos.
Vesti uma calça jeans escura, uma blusa soltinha e um blazer. Pus um salto, penteei meus cabelos em um novo rabo de cavalo, dessa vez mais arrumado.

- Parece até que você estava adivinhando o que aconteceria hoje. - Vanessa olhou-me de cima a baixo e sorriu.

- Não entendi. - Franzi as sobrancelhas.

- Seu estilo... Você foi promovida, Amy.

- Espera... - Arregalei os olhos. - Vanessa, eu não estou entendendo.

- Amy, você escreverá para a coluna de moda.

- Nossa, isso é...

- ÓTIMO! - Falamos em uníssono.

***

- Agora entendi o motivo da nossa comemoração. - Steve sorriu. - Parabéns, meu amor.

Naquele momento tudo parou para mim. Meu sorriso se desfez, o do Steve também. Ouvi sua boca abrir e seus lábios gesticularem um "desculpe".

- Eu quero ser alguém que você ame... Só não estou pronta para isso.

- Você não está pronta para amar outro alguém, mas eu não posso deixar de sentir o que sinto, Amy. Não tente me afastar de você. Permita que eu te ame até que você também me ame.

- E se isso nunca acontecer, Steve?

- Eu sei que você gosta de mim, não demorará até que eu faça você me amar.

Seus lábios tomaram os meus em um beijo rápido e cheio de desejo. Steve não tentava passar daquilo, mas seus beijos eram profundos o suficiente para me fazerem enlouquecer.

Até a campainha tocar e murmurarmos juntos.

- Sra. Price?

- Sim, sou eu.

- Tenho notícias sobre o caso do seu falecido marido.

- Notícias? Como assim? - Olhei para o Steve.

- Sra. Price, seu marido foi assassinado.

sábado, 10 de março de 2018

O que você fez comigo - Capítulo 8

Uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto. Torci para que ele imaginasse que se tratava de uma gotícula de suor. Mas, a cada toque seu, uma nova lágrima surgia e meu desespero se tornou evidente. Eu desejava que aquele momento fosse especial, que fosse o nosso momento, e o que eu pensei que tinha certeza que queria, tornou-se no meu maior pesadelo.

- Amy, o que aconteceu? Eu te machuquei? Amy, fala comigo! - Esteve chacoalhou meu corpo enquanto falava desesperado.

- Me desculpe... - Encolhi-me na cama e abracei minhas pernas. - Eu não consigo fazer isso. Me desculpe, Steve. Eu... Eu sinto que estou traindo o Logan.

- Tá... Tá tudo bem.

Senti seus braços fortes me envolverem em um abraço terno. Steve mantinha uma expressão preocupada em sua face. Com a cabeça encostada em seu peito, pude sentir seu coração bater de maneira descompassada.

- Eu poderia ir embora se isso te deixasse mais confortável, mas me preocupo se você ficará bem.

- Você irá me odiar, não é? - Suspirei.

- Talvez nós tenhamos nos precipitado em achar que você superaria isso tão rápido. Deixei que meus sentimentos por você me fizessem esquecer do que vivi, e pode ter certeza que isso também aconteceu comigo.

- Me desculpe.

- Você não precisa se desculpar. - Ele acariciou o meu rosto. - Eu vou me vestir e te deixarei só para pensar.

Enrolei-me com o lençol e observei Steve se vestir. Ele não era um homem muito alto, mas suas demais características físicas eram capazes de atrair qualquer mulher sem que ele precisasse demonstrar toda a sua bondade interior.

- O que você está olhando? - Lançou-me um sorriso.

- Tudo o que eu perdi. - Brinquei e lancei-lhe uma piscadela.

- Você não me perdeu, Amy. A menos que você não me queira. - Ele deu de ombros.

- Seria muito egoísmo querer alguém e ao mesmo tempo tentar ser fiel à memória do seu marido morto? Prender alguém a si e não se entregar para ele?

- Você é fiel à memória do Logan. - Steve sentou ao meu lado. - Você o ama, sempre fala bem dele, é apegada à toda a bondade que um dia ele fez, por que estaria traindo ele? Você só tem medo de seguir em frente e talvez realmente seja cedo para isso. Ninguém supera tão rápido, a menos que tenha desejado isso, não é o seu caso.

- Obrigada por tudo. - Envolvi seu corpo com um abraço forte.

Acompanhei o Steve até a porta. Sem saber como se despedir de mim, depositou um beijo em minha bochecha e seguiu até o elevador com as mãos enfiadas no bolso. Senti-me péssima por desaponta-lo.

Fechei a porta atrás de mim, segui para o meu quarto e enfiei o rosto no travesseiro. Minutos antes de me entregar para o Steve, eu tinha a certeza de que era aquilo que eu queria, na hora H, minha mente fora invadida por lembranças do Logan que me fizeram recuar. Tive medo de dizer o que estava sentindo, o que se passava comigo, mas meus sentimentos, a fraqueza que eu senti naquele momento me livraram de magoar o Steve ainda mais. Ele merecia alguém bem menos complicada.

***

- As flores são para você. - Vanessa apontou para a minha mesa.

- Tulipas... - Senti meu coração acelerar. 

- O que há de errado, você não gosta de tulipas?

- Só duas pessoas sabem o quanto eu amo tulipas, e uma delas já morreu.

- Mas a outra pessoa continua viva e precisa te pedir desculpas. - Virei-me e encarei Elliott.

- Eu não estou com cabeça para conversar com você, Elliott. Além disso, estou no meu ambiente de trabalho e não convém que eu resolva problemas pessoais aqui. - Caminhei em passos firmes até a porta da minha sala.

- Podemos conversar no seu horário de almoço, então.

- Terei que ser mais clara... - Sorri sem graça. - Eu não quero falar com você. Tenha um excelente dia!

***

Uma música calma tocando no rádio, as luzes iluminando as ruas, pessoas agasalhadas andando errantes... Aquele era o cenário que me faria pensar sobre toda a minha vida. Se aquele acidente não tivesse acontecido, eu estaria em casa cuidando da minha pequena garotinha, enquanto o meu lindo marido estaria cozinhando para nós. Eu colocaria a Charlotte no carrinho, abraçaria o Logan por trás e ficaria na ponta dos pés para beijar os seus lábios quando ele inclinasse a cabeça para trás. Eu colocaria a louça na mesa, jantaríamos conversando sobre o futuro da Charlotte, como imaginávamos que tudo seria.

Por outro lado, imaginei como minha vida seria caso eu não tivesse abandonado o Elliott. Oficialmente seríamos namorados, eu teria terminado a faculdade lá, talvez fossemos noivos ou quem sabe casados. Talvez eu tivesse aprendido a amá-lo, quem sabe eu fosse infeliz. Quem sabe o Logan tivesse ido atrás de mim, quem sabe ele tivesse me deixado para trás. Quem sabe ele tivesse sofrido um acidente de qualquer jeito, talvez ele estivesse vivo.

Aí eu pensei no Steve... Talvez nunca tivéssemos nos conhecido caso  todos esses "quem sabe" tivessem acontecido.

Parada em um semáforo, observei o letreiro em um prédio que dizia "Clínica do luto". Senti-me tentada a parar lá, mas imaginei que seria como nos filmes: você vai, senta em um círculo de cadeiras, ouve todos falarem sobre como alguém importante para eles morreu, conta sobre sua história e tudo aquilo vai se repetindo, semana após semana, até que você se dê conta de que você só perdeu o seu tempo.

Estacionei o carro e entrei. Eu não ficaria pior do que estava.

- Boa noite, em que posso ajudá-la?

- Como faço para participar disso?

- Você se refere à uma consulta com a Dra. Turner?

- Consulta? Tipo... Terapia?

- É.

- Eu imaginei um grupo de apoio, como o AA.

- Ah, claro! - Ela sorriu. - Temos reuniões do grupo de apoio para pessoas que precisam vencer o luto, mas também temos terapias com a Dra. Turner, caso você não se sinta bem falando publicamente. A Dra. Turner é especialista em casos de luto.

- Tudo bem... - Suspirei. - Eu não sei o que tentar. O que você sugere?

- Por que não tenta os dois? Daqui há 10 minutos começará a reunião do grupo de apoio. Você pode participar e ver se consegue se adaptar.

- Obrigada.